reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

sábado, setembro 30, 2006



Quadros de Excelência

Peguei-os ao colo. Ensinei-os a ler. Vigiei-lhes os primeiros passos incertos e receosos na significante descoberta de argolas e arquinhos que simbolizavam as palavras mais doces que conheciam. Enternecia-me ao vê-los de lápis na mão e língua de fora no esforço e na procura da perfeição. Contei-lhes histórias de encantar. Dividiram comigo as lágrimas sentidas de ofensas inofensivas, subtraímos agravos, adicionámos ternura e respeito, multiplicámos sorrisos, ânimo e garbo e ficámos amigos para a vida.

Sigo-lhes o percurso com a atenção de quem os sente um pouco seus...para sempre. Rebeldes e meigos, enérgicos e frágeis, lutadores, aplicados, diligentes, tímidos alguns, mas com o olhar assíduo e atento na tarefa. Marrões? Caixas de óculos? Bichos do mato? Bem poucos.

Alunos brilhantes, pessoas que se formam com brio e com brilho em toda a sua inteireza e plenitude, no percurso académico e na afirmação pessoal. Meritória a distinção. E ano após ano assisto emocionada e orgulhosa à recompensa do esforço(?), contaminados que estão pelo bichinho do saber. Não lhes sinto o cheiro a mofo, pressinto-lhes um ego forte e vacinado.

Minorias. Sem dúvida! Privilegiados? Nem todos.

quinta-feira, setembro 28, 2006



Genoma Tecnológico

A terra transformaram em aldeia e a aldeia em quintal e o quintal em canteiro. De mansões ou de casebres brotam em cachos das mãos de quem da cominucação rápida, ao segundo, não prescinde. Labirínticos percorremos o mundo, se para isso nos der. A plasticidade do espaço é uma nova característica do nosso mundo. Cruzamos oceanos e continentes em viagens de circum-navegação de convivência e trato reais.

Numa levitação antropológica viajemos no tempo percorrendo o testemunhado pela história e pela sociologia, recuemos ao habitat do Homo-Sapiens. A pedra lascada na mão pronta a arremessar, a desferir golpe mortal, por corpos desnudados sem impudor. A subsistência em toda a sua crueza e dimensão. A limitação da comunicação.

Hoje na mão um amontoado de conexões: fios, placas minúsculas, sensores, baterias, memórias, sistemas, sons, vozes , imagem e, novamente a nudez! Pela invasão, pela intromissão no espaço que até há pouco tempo era só nosso. Expostos movimentos que nos pertencem e que agora partilhamos com os outros, quase sem o ter por consciência, de uma forma obsessiva e controladora, quantas vezes. Vazia de fundamento, fundamentando, outras tantas, preenchimento de vazios e solidões.

O dia com mais de 24 horas pela rapidez impressa pela tecnologia. Cavernas de stress dentro de nós, pela competição com o tempo e com a máquina programada para nos superar. A ausência aparente de limites. A Terra a girar sobre um único dedo nosso, como berlinde de criança. Ilusão atómica.

No magma informe do tempo e do conhecimento, solidificámos formas de ínfima e inteligente precisão. Na aresta da rocha, o genoma de um novo mundo em gestação plena. Pronto a eclodir. E os nossos pés de barro ainda no passado.

domingo, setembro 24, 2006

Meditação do b-a-bá


Procurando equilíbrios, iniciam mais um ano de actividade lectiva. Há mais de trinta anos que andam na corda-bamba entre reformas, experimentações de sistemas importados e quantas vezes já falidos, correntes pedagógicas, vontades imperativas de governantes que vão circulando e trespassando a educação, a preços de saldo e, traspassando quem nela permanece de pedra e cal em busca de significado no meio de tamanha desorientação. Do passado vão fazendo tábua rasa. Sobrepõem-se experiências-piloto, em nichos de recursos que nada têm a ver com a realidade social e tecido escolar do resto do país, mas das quais também, não vêm ecos explícitos e afirmativos de que assim deva ser.
Das Escolas Superiores de Educação continuam a sair fornadas de professores que nada de novo trazem ao ensino. Se os que ao ministério, esforçados, se dedicam , acumulando experiência, não virando costas à formação contínua, apostando na sua auto-formação, não olhando a meios nem a esforços de qualquer ordem para a levar a cabo, não prestam e estão viciados, então aposte-se numa boa formação de professores. E o que se vê é nada. Pedagogicamente mal formados ou informados, desorientados e perplexos com a dispersão de directrizes, confusos e impotentes perante uma escola que reflete a sociedade em que vivemos, estruturalmente deficitária e socialmente destruturada. Pescadinha de rabinho na boca da qual não se vislumbra saída.
Os resultados do (in)sucesso estão aí e não deixam margem para dúvidas , algo vai mal no império, importa encontrar culpados e desculpabilizar quem manda.
Então, surgem os professores como os causadores de todos os males nacionais. A educação é matriz de bom desempenho de qualquer actividade e a crise económica, na volta, é responsabilidade dos professores.
Que se reformule a profissão, salvarguardando quem dela faz bom uso, em proveito dos alunos e do país, não está posto em causa, agora que sejamos bode-expiatório nacional com direito a estocada constante na cabeça, tenham santa paciência!
Entretando vamos meditando, com o lado lunar do dia, por companhia, porque enquanto o sol reina, da escola poucos arredam pé, perdidos que estão no reino da burocracia. Se tanto papel se traduzisse em sucesso estávamos no topo da lista a nível europeu, quiçá mundial.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Mãe-Natureza

Repousa serena.

Quietude mágica na expressão.

Vales e montanhas de frescura plena

bordejando um corpo de mulher serena, saciado de energia em extrema comunhão.

Corpo de mulher suave e belo que se renova a cada instante.

Dela conhecemos

os dias calmos de gestação materna

e os fervorosos de eterna amante.

Em regaços de aurora, embala seus filhos , embevecida.

E da ternura do tempo,

em entrega ardente, intensa e sentida,

exultada, surge com suores telúricos no corpo-mulher.

Exala calor, frémito de vida

vibra pujante do senso esquecida

em explosões...em ciclos de vida, planta,semeia e faz renascer.

Em mantos verdejantes, o ser nos envolve

e ingratos mergulhamos em moléstia pura.

Esquecendo que da fonte

que parece eterna

a poção vital também seca... nem sempre dura.

Em fúrias surge mulher desgrenhada

invertendo

nascente

rica de alimento

em recifes escolhosos trazendo desalento.

terça-feira, setembro 19, 2006


Inside... Outside



Figura fora das grades. Eu dentro. Comigo a segurança do espaço protegido de desconhecidos e de familiares fora de horas. Meço-o à distância. Não terá mais que a minha altura.Empatados. Esguio a coluna como se um fio de cabelo me prendesse ao céu. O salto alto fará o resto. Pequenos cuidados de quem não espera pera doce. A certeza como guarda-costas, garantindo firmeza e amparo como caução.
Duas guardiãs seguem-me com o fito no telefone e olho no saco que lhe pende das mãos. Histórias conhecidas e recorrentes de violência doméstica sobre mulher e filhos e a quem lhe faça frente, exigem método e postura.
À família não dá descanso. Com humilhantes cenários de vida, vai desfibrando os ténues laços que o unem aos filhos .
Homúnculo. Corpo delgado de quem do alimento não tira proveito. Prevejo-lhe descarga biliar fazendo lavagem aos interiores revoltos que lhe prognostico, ali...à minha frente. Mas não. Primou na vestimenta e esta continua sem vestígios de inundação súbita ou escorrências de odor suspeito.
Reclama autoridade de custódias justificadamente perdidas. Reivindica justiça em sede errada para tal exigência.
Procuro-lhe os olhos de cor indefinida por entranhas de ódio e ressentimentos, na esperança de encontrar o senso que há muito perdeu, entre clínicas psiquátricas e fugas constantes à vida.
O rosto seco e ríspido revela maxilares perros de diálogo repentinamente oleados pela espuma branca que se instala na boca estiada de saliva e quase ausente de lábios.
Sinto-lhe o sofrimento.O mundo contra ele. A solidão a pingar-lhe no coração, aparada em taças que transbordam de desamor e incompreensão.
Esquizófrenia.Doença irreconhecida e negada pelo próprio. Desordem interior como sala em desalinho onde se amontotam e amarrotam emoções de uma vida madrasta. Alucinações de um exterior sempre árido de afecto.

domingo, setembro 17, 2006



Revolta em nome do Amor

Quando o amor vos chamar, segui-o,

Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados;

E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe,

Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos;

E quando ele vos falar, acreditai nele,

Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos

Como o vento devasta o jardim.

Pois, da mesma forma que o amor vos coroa,

Assim ele vos crucifica.

E da mesma forma que contribui para vosso crescimento,

Trabalha para vossa queda.

E da mesma forma que alcança vossa altura

E acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,

Assim também desce até vossas raízes

E as sacode no seu apego à terra.

Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.

Ele vos debulha para expor vossa nudez.

Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.

Ele vos mói até a extrema brancura.

Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.

Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma

No pão místico do banquete divino.

Todas essas coisas, o amor operará em vós

Para que conheçais os segredos de vossos corações

E, com esse conhecimento,

Vos convertais no pão místico do banquete divino.

Todavia, se no vosso temor,

Procurardes somente a paz do amor e o gozo do amor,

Então seria melhor para vós que cobrísseis vossa nudez

E abandonásseis a eira do amor,

Para entrar num mundo sem estações,

Onde rireis, mas não todos os vossos risos,

E chorareis, mas não todas as vossas lágrimas.

O amor nada dá senão de si próprio

E nada recebe senão de si próprio.

O amor não possui, nem se deixa possuir.

Porque o amor basta-se a si mesmo.

Quando um de vós ama, que não diga:

“Deus está no meu coração”,

Mas que diga antes:"Eu estou no coração de Deus”.

E não imagineis que possais dirigir o curso do amor,

Pois o amor, se vos achar dignos,

Determinará ele próprio o vosso curso.

O amor não tem outro desejo

Senão o de atingir a sua plenitude.

Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos,

Sejam estes os vossos desejos:

De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho

Que canta sua melodia para a noite;

De conhecerdes a dor de sentir ternura demasiada;

De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor

E de sangrardes de boa vontade e com alegria;

De acordardes na aurora com o coração alado

E agradecerdes por um novo dia de amor;

De descansardes ao meio-dia

E meditardes sobre o êxtase do amor;

De voltardes para casa à noite com gratidão;

E de adormecerdes com uma prece no coração para o bem-amado,

E nos lábios uma canção de bem-aventurança.

Kahlil Gibran

Surpreendentemente de origem árabe, Kahlil Gibran é uma descoberta refrescante e incisiva, sem burkas, nem fundamentalismos no sentir.
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sábado, setembro 16, 2006



Os Filhos

Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável

Kahlil Gibran

sexta-feira, setembro 15, 2006

Pandora? Nem sempre

E no fundo de nós temos a caixa. E à nossa volta tantas caixas por abrir e a curiosidade e pedir descoberta. O apelo pelo desconhecido a bater-nos à porta com uma insistência ofegante e suplicantemente melada. Aparências, exterioridades. A beleza, o encanto, o sorriso a pedirem irreflexão e a confiar no deslumbramento, dando crédito à inocência.
E a mitologia a encantar-nos, preenchida que está de arquétipos da humanidade, da nossa humanidade e dos nossos conteúdos inconscientes.
A caixa de Pandora, nas versões que nos chegam, a fazer-nos reflectir. Engravidada de todos os males, uma vez aberta, espalha-os sem possibilidade de regresso ao estado de bem-estar inicial, por mais rápidos que sejamos a tapá-la, soltam-se e omnipresentes ficam. Presa dentro dela, a esperança, anuncia-se como a réstia que fica para não sucumbirmos e não desistirmos de acreditar. Parodoxo intrigante, este. A esperança misturada com todos os males do mundo. Será que ela poderá ter uma conotação negativa, se a deixarmos livremente abrir mina em nós fazendo-nos aceitar no que deve ser confrontado? Talvez.
E no fundo de nós temos a caixa. À nossa volta tantas caixas por abrir.E a esperança... sempre a esperança que de Pandora sejam poucas.

quinta-feira, setembro 14, 2006



Novelo de tempo que me enreda e me aprisiona sem dar espaço para mim.

Urgências contidas na boca que não se calando se deixa de escutar.

Franjas de pensamento que não foram exploradas, embora sentidas.

Silêncios visitados na calada da noite em altares de reencontro suspenso.

Prazeres umbilicais desdenhados por permências de ofício.

Assim estive eu esta semana!

segunda-feira, setembro 11, 2006



E a terra ficou suspensa

Tudo levava a crer que era montagem, filme de ficção, alucinação nossa que àquela hora tardia de almoço pedia alimento. Interrogativos os olhares, franzidas as testas pela imprevista inquietude que nos invadia, imobilizados os talheres que não concluíram trabalho pela surpresa na boca e paralisia súbita dos membros, procuravam-se respostas olhando em volta, descortinando quem da audição tivesse apuro e que nos descançasse o sobressalto .

Silêncio imposto pela magnitude do segundo embate. Em directo o terror, o medo, o futuro em brumas de fumo envolto. E a terra ficou suspensa...

Qual excalibur do mal, cravada no aço cosmopolita e na carne de inocentes. A dor da impotência sem rewind à vista nem Rei Artur salvador da desdita. E da palavra fez-se revolta e solidariedade.

Nada seria como dantes! O mundo fragmentava-se por ódios "divinos"e nova Divina Comédia se instalou, sem que Dante a tal assinasse. Do Purgatório não saímos, volvidos cinco anos. Contrapondo ao terrorismo a guerra infinita contra o mal, não como prevenção e defesa, mas no que de mais convencional e estratégico ela tem. A destabilização, a invasão, o ataque...uma ideologia a exponenciar os ataques e o terrorismo gratuitos.

E no cento de Manhattan a ferida continua aberta, expondo os danos sofridos e o que não se conseguiu fazer.

domingo, setembro 10, 2006



Pontes

Chegados à margem surge o dilema da travessia. Problemas logísticos que exigem psiqué forte e audaciosa. Orlas conhecidas e percorridas em busca de próteses seguras, quantas vezes rebuscadas e inventadas onde não havia combros para garantir segurança. Debrum tecido de angústias e reflexões que dando margem a oportunidades e novas travessias se revelam umas vezes fortes outras ralas de sustento.

Pôr à margem as margens é arrepiar caminho. É negar e desprezar o percurso nem sempre fácil de palmilhar. Abandonar com desânimo o impulso que nos guiou até àquele lado de nós.

Mas quantas vezes , sinalética inconclusiva nos leva, sem pudor, a largas enseadas onde os acessos às outras margens nos parecem nados mortos? E outras tantas os sinais estavam ali, certeiros, a aconselhar e prevenir enganos e nós displicentes ignorámos o aviso.

A persistência na procura de ensejo para o outro lado nunca se deve descurar. Tarefa árdua de quem não vira as costas aos obstáculos, que vai procurando tecer dentro de si teias, urdiduras, pontes para conseguir arribar inteiro e integro à outra margem. Nem sempre frondosa e verdejante mas de passagem obrigatória para quem não quer virar as costas à vida.

sexta-feira, setembro 08, 2006



CROL

O anúncio do meu nome dizia-me que chegara a hora. O auto-controlo e a dignidade adquirida, ao longo da vida, impediam-me de consumar a retirada em grande estilo. Avanço de cabeça erguida. Uma ajudante do retalhista pergunta-me o que venho fazer. Da garganta a frase não saiu"Venho inspeccionar o bloco operatório e volto noutro dia". O seu sorriso simpático retirou-me a perplexidade da pergunta. Melhor seria dizer. Histórias há, de quem vai ser operado a um pé e sai com um braço ao peito. Nada de confusões.

Equipamento a rigor, da cabeça aos pés, num tom suave de verde esperança, garantia fraca intromissão de germes deletérios. Enquanto espero o sinal verde, de alarme para mim, vou-me entretendo a descodificar a sigla carimbada na bata que me forrava : IPOFG CROL. A primeira parte do enigma era evidente. Sabia onde estava...mas CROL? Será que aquilo ia meter água, ou iria eu, finalmente, aprender a nadar?

Classificação estrelina para todos os que me rodearam. Bom humor, conversa interessante, garantia de ausência de prazer pelo trabalho, mas de muito preceito na hora de o executar. Ufa! Com espadachim de serviço era permitido duelo no final se a coisa não fosse perfeita e indolor. A anestesia a entrar e eu a limpar armas!

Cinco pontos bem guarnecidos e a certeza de que a terra que me viu nascer é ponto de referência para quem da arte retira prazer e alonga o olhar. Amigos para sempre e promessas de futuras visitas noutras condições de menor imobilidade horizontal para mim( sem malícia!).

Jurei que não, que não diria a ninguém que se divertiam a trabalhar, não fosse algum mentecapto invejoso desfazer equipa de primor.

Não resisti. CROL? Sistema de trabalho, na área da saúde, onde o corpo clínico é composto por um conjunto de profissionais médicos de formação científica rigorosa, assegurando-se assim a riqueza do diagnóstico.

Saí confiante.

quinta-feira, setembro 07, 2006




Alerta laranja

Coisas da mente. Nada faria prever que a noite se passaria em guarda. Dia tranquilo recheado de momentos afeiçoados, jantar solitário mas de iguaria apreciada, eu, um livro do Murcon( leia-se Júlio Machado Vaz), o empate da nossa selecção recebido com alívio...tudo se encaminhava para que o sono viesse de mansinho e me transportasse para o mundo dos sonhos vividos e por viver. Do descanso.Dava-me ao deleite daqueles momentos tão íntimos de mim e tão pouco acostumados.
Riscadas as lentes dos óculos maltratados, cansou-se a vista e adeus Murcon. Fiquei ali a saborear coisa pouco habitual em mim: cama e televisão. Casa fora de casa.
De quando em quando, aquele futuro feito de amanhã a cobrir-me com uma ténue e gelada camada dérmica. Mas o calor da razão fazia sentir-se " Não! O bisturi não iria fazer grande dano! Meia hora, no máximo e estaria livre, trazendo comigo o inevitável ligeiro ardor. Coisa de pouca monta. Passado oito dias já nem me lembraria."
Mas o irracional, o instinto de defesa instala-se em nós sem pedir licença, vem ao de leve, sobe degraus com ausência de alarde e sem fragor invade-nos a mente impondo estado de alerta, dispensando reflexão.
Em vez do sono ficou aquela luz de vigília constante, no cocuruto de mim. Como se se desse o corpo ao descanso a mente não sossegasse desconfiada que estava de que a qualquer momento enfermeiros e cirurgião entrassem porta adentro prontos para me esfaquear pelas costas.
Quando a cabeça não quer o corpo é que paga. Mal a dobrar. Noite em claro e ligeiro ardor. Coisa de pouca monta.

terça-feira, setembro 05, 2006



Prontos para a mudança?

"Era uma vez dois ratinhos e dois pequenos seres humanos que viviam num labirinto. Estes quatro personagens dependiam de queijo para se alimentarem e serem felizes. Como tinham encontrado uma casa cheia de queijo, viveram muito felizes durante algum tempo. Mas um belo dia o queijo desapareceu..."

QUEM MEXEU NO MEU QUEIJO? " Esta fábula simples e criativa ensina-nos que tudo muda e que as fórmulas que foram úteis em dado momento podem tornar-se obsoletas. Os seus ensinamentos aplicam-se a todos os aspectos da vida: "o queijo"desta história representa qualquer coisa que se queira alcançar- a felicidade, o trabalho, o dinheiro, o amor- e o labirinto é o mundo real, com zonas desconhecidas e perigosas, becos sem saída e recantos obscuros...e também casas cheias de queijo!

Esta parábola oferece-nos ensinamentos valiosos para compreender um mundo em constante mudança num ritmo cada vez mais acelerado. De facto, trata-se de um curso rápido de adaptação à mudança em todos os âmbitos da nossa existência...e que pode servir para lançar uma nova luz sobre qualquer problema."

Para ler enquanto dá a Floribela, de uma assentada!

segunda-feira, setembro 04, 2006


Jangada de pedra


Num pequeno país à beira-mar plantado soltou-se, um dia, uma “jangada de pedra” que entrou mar dentro.
Perdida no imenso oceano, a pequena rocha, sofrendo os efeitos da erosão das vagas, foi-se fragmentando até se formarem nas suas reentrâncias pequenas praias de areia fina e branca.
No seu interior, edificaram-se colinas de enorme beleza. Vales e encostas foram-se delineando e, bem no centro, uma pequena mas densa floresta agigantava-se.
Nos dias mais ensolarados avistava-se como um regalo para os olhos de alguns navegantes que por ela passavam.
Certo dia, um marinheiro passou por ali e encantou-se por aquela pequena ilha. Passou a chamar-lhe “a sua ilha”.
Algumas vezes ancorou naquelas praias e pôde desfrutar das suas belezas naturais, atreveu-se mesmo a entrar na densa floresta e penetrar nos mais recônditos jardins escondidos, onde a água corria mansamente, onde havia cascatas de prazer e onde a vida parava.
Mas atracar ali não era fácil! O porto seguro ficava noutras paragens e o marinheiro pensando na sua ilha, ia adiando o regresso desejado. A pequena ilha, saudosa do seu amado, estendia as suas arribas mar dentro para chegar mais além. Mas em vão!
Os dias passaram, os anos passaram, e na ilha foram-se formando tempestades, tufões, tremores de terra que foram desfigurando o seu aspecto inicial.
O calor da saudade despertou no seu interior uma enorme explosão e, no coração da ilha, surgiu um vulcão.
Aproveitando a tumultuosa ocorrência, a ilha arquitectou, com o magma fundido, uns braços feitos de rocha para que o seu doce apaixonado pudesse ancorar no seu regaço de forma segura e tranquila.

Não se sabe se terá conseguido o seu objectivo ou se ainda se encontra no meio do mar de braços abertos à espera que o amor aconteça.

domingo, setembro 03, 2006


Em nome de Deus

Chegou às nossas salas de cinema o filme O Paraíso, Agora!, de Hanny Abu-Assad, em que dois amigos palestinianos são recrutados por um grupo terrorista para se implodirem e explodirem em Telavive. Exercício de propaganda repudiado por judeus, menosprezado por palestinianos por não mitificar o "feito heróico" dos mártires, o filme humaniza, com dúvidas e angústias quem escolhe morrer e matar em nome de Deus.
O mérito de relançar a discussão eterna. Um filme a não perder.
( Nota: leitura irónica com sabor amargo)

Por que os árabes estão sempre loucos para ser suicidas?Por estes simples motivos:

É proibido:

1°- Sexo antes do casamento;
2º- Tomar bebidas alcoólicas;
3º- Ir a bares;
4º- Ver televisão;
5º- Usar a Internet;
6º- desporto, estádios, festas;
7º-Tocar buzina;
8º-Comer carne de porco (nem linguiça);
9º- Música não religiosa;
10º- Ouvir rádio;
11º- Barbear-se.

Além disso:

12º- Têm areia por todos os lados e nenhum buggy para se divertirem;
13º- Farrapos em lugar de roupas;
14º- Come-se carne de burro cozida sobre bosta de camelo;
15º-As mulheres usam burka e não dá para ver nem a cor dos olhos;
16º- A esposa é escolhida pelos outros e o rosto é visto só na procriação;
17º- Sexo depois de casado só para procriar e feito no escuro com a mulher vestida com o shake;
18º- Reza-se para Alá, ás 6:00 -9:00-12:00-15:00-18:00- No pôr-do-sol, 21:00- 00:00;
19º- A temperatura básica nos países árabes é entre 45º a 58º em alguns lugares, até mais;
20º- Para economia de água, banho apenas uma vez por mês( partes mais sujas);
21º- E se te dizem que quando morreres, vais para o paraíso e terás tudo aquilo com que sonhas!

Fala a verdade... tu também não se matavas???

sábado, setembro 02, 2006

Sabor a mel

Procuro-as. A rentreé anuncia-se promissora de factos e fados genuinamente portugueses. As férias passadas onde a vontade e a presteza da carteira nos levou, chegam ao fim. Fica, agora, o sabor quente, intenso e dourado desses dias, a brindar a memória e a aguçar o apetite para novos destinos e, tantas vezes, aquela vontade indómita do "hei-de voltar". Fotografias revistas aos serões deste Verão que se despede pela tardinha, reavivam o passado recente, arrumado em álbuns digitais ou não, onde momentos assim merecem ser chapados para sempre.
A casa está arrumada da desordem que se instala, ao longo do ano, por mais organizados e metódicos que sejamos; os armários despedidos de inutilidades acumuladas; as gavetas ordenadas por séries, por cores, por preferências; os papéis revolvidos até à exaustão por quem no seu meio vive e, ainda, deles não sabe prescindir. E, os amigos distantes, mas nunca ausentes, foram benesses visitadas nestes dias de quietação serena e generosa.
Tudo se apronta e aponta para o acolhimento de mais um novo ano escolar. Surge, novamente, a profissão a apelar à renovação, à mudança, à apropriação de nós como se de missão se tratasse.
A ansiedade do recomeço instala-se. Fim de ciclo. Pórtico que se entreabre sempre com a esperança de que o percurso seja pródigo em empenho, resultados, vontades e serenidade no trajecto a percorrer.
A visita à escola, o apelo dos livros novos, o cheiro dos cadernos em branco, o chamamento dos materiais a pedirem vida e utilização e... elas! Procuro-as.
Amigas na profissão e na vida são o reencontro esperado, num cortejo de saudades, histórias para contar, risos, queixumes, segredos cochichados, lidos nos olhos e sentidos em arrepios de emoção.
Doces como o mel fresco a cair do favo, serenas e prestáveis como ninguém, confidentes fidedignas, turbulentas e activas, irrequietas, traquinas. Invadem-me com uma alegria e frescura que me recuso a perder.
Fazem parte da minha vida, são únicas e especiais. São as minhas amigas.

sexta-feira, setembro 01, 2006



A comunicação do silêncio


«...O assobio dos melros tem uma coisa muito especial: é idêntico a um assobio humano, de alguém que não seja muito hábil a assobiar, mas a quem aconteça, de quando em quando, ter um bom motivo para assobiar, e que o faça uma única vez, sem intenção de continuar, e num tom decidido, mas modesto e afável, de modo a granjear-lhe a benevolência de quem o escuta.
Pouco depois, o assobio é repetido, pelo mesmo melro ou pelo seu cônjuge, mas sempre como se fosse a primeira vez que lhe passasse pela mente assobiar; se é um diálogo, então cada deixa chega após uma longa reflexão. Mas será um diálogo ou será que cada melro assobia para si próprio e não para o outro? E, em qualquer dos casos, trata-se de perguntas e respostas( ao outro ou a si próprio) ou trata-se de confirmar alguma coisa ( a sua presença, a pertença à espécie, ao sexo, ao território)? Talvez que o valor daquela única palavra resida no facto de não ser esquecida durante o intervalo de silêncio.
Ou, então, todo o diálogo consiste em dizer ao outro «eu estou aqui», e o comprimento da pausa junta à frase um significado de «ainda», como que a dizer: « eu ainda estou aqui, continuo a ser eu». E se estivesse na pausa e não no assobio o significado da mensagem? Se fosse no silêncio que os melros falam uns com os outros? (O assobio seria neste caso um mero sinal de pontuação, uma fórmula como «terminado». Um silêncio aparentemente igual a outro silêncio poderia exprimir cem intenções diferentes; também um assobio, por outro lado; falar-se, calando-se ou assobiando, é sempre possível; o problema é entender-se. Ou então ninguém pode entender ninguém; cada melro pensa ter posto no assobio um significado fundamental para si, mas que só ele próprio entende; o outro responde qualquer coisa que não tem nenhuma relação com aquilo que ele disse; é um diálogo entre surdos, uma conversa sem pés nem cabeça.
Mas os diálogos humanos serão porventura algo de diferente?»

In "Palomar" de Italo Calvino