reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

domingo, outubro 28, 2007




Aqui ficam memórias


Aproximam-se tempos sem tempo.


Agradeço a todos os que por aqui passaram, os momentos, os comentários, os abraços em que me envolveram. Não me vou despedir, pois continuarei a visitá-los sempre que possa.
Talvez volte um dia... deixarei a porta aberta. Desço as escadas com a consciência que deixo as palavras escritas, embrulhadas num manto de solidão. Talvez elas entendam que neste abandono há um presente a necessitar mais de mim.

terça-feira, outubro 23, 2007







lavo-me do dia com a água benta da noite que recolho em imaculada porcelana. hidrato a pele em elipses perfeitas com luas verdes de creme. massajo as plantas enraizadas no corpo com a seiva transparente das palavras. regenero os tecidos com fibras de luz e procuro o segredo da vida na palma de um sorriso. sei da planície o horizonte imenso e do imenso a lonjura de mim. visto-me de seda em gargalhadas soltas e solto-me e deslaço ante o sorriso expectante de um abraço. liberdade. conjuro comigo os momentos futuros e plano na frequência que me aquece a esperança. rejeito a lado escuro do sol e pernoito no algodão em rama em que envolvo a doce maresia do manto branco que nos cobre nesta noite perenemente falsa.



sexta-feira, outubro 19, 2007


um dia perdeu a cabeça da sombra. vazia de cabeça a sombra perseguia-a sem pensar.ora uma sombra que não pensa não interessa a ninguém. arreliou-se. seria que já nem a sua sombra estava interessada nela. ordenou-lhe que saísse da barriga. sabia-a escondida em algum lugar. era urgente a reposição da ordem. a perspectiva sol-sombra tinha-se invertido e circulava à sua volta como ponteiro maluco. cruzou os braços e esperou que passasse tal birra. não passou. pegou numa tesoura e cortou cerce a sombra toda. hoje vive sem sombras que a atormentem.

quarta-feira, outubro 17, 2007


é meia-noite. zune o silêncio numa melodia distante do sono. os mistérios repousam nas fragas iluminadas pela lua. escondidos os homens moram despidos do sonho e pouco sabem do rasto das estrelas cadentes. o firmamento semeado de bagas de luz serena o olhar da contemplação. o corpo incauto arrepia caminho na noite e recua nas portas entreabertas. rega-se o tempo de frio e serve-se em taças de aragem fresca. as sombras confusas dos templos relembram os sinos destruídos. os iluminados vestem-se em altares de festa. arrastam-se em fé na procura do desconhecido protector que amaina a tumba dos dias. outubro das ideologias perdidas. dos segredos guardados. inventados. construídos na crença à beira do naufrágio de alfabetos por traduzir.

terça-feira, outubro 16, 2007

quinta-feira, outubro 11, 2007



tenho o cinzeiro cheio de trabalho ardido no corpo. tenho os ouvidos macerados de pós sonoros sem fonema que se identifique. tenho a saliva ácida da chuva gráfica das ideias. tenho o mercúrio na temperatura da febre solto no sangue. tenho as articulações laças da ferrugem cromada em metal cinzelado. tenho o peso do sono no canto da boca que se esconde na orelha. tenho a loucura certa para enfrentar a fera. tenho fera cá dentro para enfrentar a loucura. tenho anos que não sinto. sinto os anos que não tenho mas já tive. tenho saudades do futuro e de saber do passado que há-de ser o amanhã. tenho vida e morte e crime e castigo. tenho um carneiro selvagem para procurar no Japão. tenho kafka à cabeceira do amor. tenho medo do que conheço e desconheço o medo do que quero conhecer. tenho esperança na ternura e dela faço o meu dia vadio. sou inteiramente masculina numa feminilidade marcada. sou o sim , o não, o talvez com os pés no chão e a cabeça a metro e sessenta. quando baixa o nevoeiro sou bruma densa sem d. sebastião. quando o sol brilha sou campo de girassóis cercado por planície.


Sou tudo isto mais eu.

terça-feira, outubro 09, 2007



Um dia estava ela a ver passar navios quando de repente sentiu um arrepio na espinha. Devia ter trazido agasalho- pensou ela com os seus navios. Um marujo que a avistou com os cabelos arrepiados lançou-lhe a âncora e prendeu-lhe uma corda no cabelo em jeito de rabo de cavalo, indicando-lhe suavemente o caminho até à beira-rio. Despiu o blusão listado e cobriu-lhe os ombros nus que de galinha ganharam a pele. Na generosidade do acto ela agradeceu. Ele deu-lhe a mão e ela entrou na embarcação vazia. Percorreu numa dormência feliz distâncias que não sabia medir e outros entravam e faziam o passeio turístico com o marinheiro sempre no leme. Já noitinha quis sair daquela cena e pediu ao marujo para regressar que já estava tarde e este voltou-se para trás, bateu as asas e levantou voo com ela nas garras por um caminho de nuvens brancas e sóis transparentes e quentes e ela nunca mais teve frio. Só o cheiro do pinho lhe lembrava outros passeios dos quais não se recordava bem.




sábado, outubro 06, 2007



Foi grande o dia que começa a esconder-se cada vez mais cedo atrás daquele recorte cinzento com fios laranja tímidos que a copa das árvores tapa. Verdejando ainda, as folhas remoídas tombam cansadas das fortes bátegas e entregam-se aos convites do vento, para leve bailado de cores e de pranto.
Subo os paços do altar e encontro deitado o leão que me rende na guarda. A luz cerrada que envolve o anoitecer trouxe-lhe a lassidão do desalento talhado na espera e, escutada a voz que lhe afaga o ânimo, revolve-se na cama quente e, muito lentamente, como num despertar de amor, estica cada músculo, que solto relaxa finalmente para os afagos.Parece que aproveita a espreguiçadela para orar ao seu deus agradecendo o desejo pedido de o libertar de tão longa solidão diária. Poupada nunca, que a alegria de o ver é tanta que esbanjo ali a primeira dose de festas e mimos, seguida de biscoito suculento que o paladar canino aprova. Se a retirada acontece sem que sinta esquecidas as horas de ausência, interpela caminhos, barra entradas, reclama dona e ajeita modos de gato que lhe massagem a juba. Deixo-o lá fora como a um amor proibido e, platonicamente, pela janela das emoções trocamos olhares cúmplices e fazemos promessas de momentos.
Amacia-se a chegada desta maneira ritual e simples noite após noite. Gosto tanto do meu cão que acho que noutra encarnação fomos irmãos .
Deve ter sido por isso que no caminho para casa, apressada que vinha, ouvi aquela frase entrecortada pelo vento, reveladora de resquícios:
- Aúúúú! Até dá arrepios! Que balanço de cauda!

terça-feira, outubro 02, 2007

Ivan Lins - Lembra de Mim - Clip

Assim me despeço do Verão! Assobiando Ivan Lins, caminhando ao longo da represa, com as mãos nos bolsos do agasalho. Aconchego o corpo na tarde cinzenta e refresco-me do dia.