reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

segunda-feira, outubro 25, 2010



às vezes tenho a firmeza de ser tarde. do muito se estar a reduzir ao nada. da panela no fogão ter da água o vinco da evaporação. de ser ter esfumado o caldo que adoça o erguer. como um cão cansado deitando a língua pendente fora da serra dos dentes. tantas vezes se caiaram os dias que a cal já não agarra às paredes. é necessário raspar a caliça e restaurar o sustento das muralhas. frágeis. com buracos nas sandálias e brechas nas vestes das veias. a carne viva da vida exposta em salmoura pendurada no tempo. oscilando num vai-vem de fustigantes aragens. frias.quentes. semi-frias. mas é na sentida vertigem dos sentidos que se arejam os sinais vitais da melodia das cores e dos sons. da luz e do escuro. do feito. comprido. sempre encolhido pela vontade de ser maior. olho o  pano tecido em quilómetros palmilhados e... às vezes vejo o pomar cheio de frutos por colher e tenho a certeza que ainda é cedo para ser tarde.

sábado, outubro 16, 2010


os mesmos dias que vestiram a saudade vieram visitar-me sem autorização. pernoitaram na minha eira e sedentarizaram a vida. ei-los a eito como planície fecunda de suspiros e sorrisos lânguidos. os olhos dos dias são a alma do horizonte quieto e adormecido como pasto certo sem campo de fuga. a boca dos dias é o fogo posto no ventre ardente como deserto imenso sem a frescura dos oásis. o cheiro dos dias é a fragrância do silêncio distante que cobre a terra como renda fina. o sabor dos dias é a boca seca duma gruta austera onde o vento há muito selou a nutrição. o ouvido dos dias está na porta da tua boca à espera da nota certa que será começo de melodia.

domingo, outubro 10, 2010

Fim de tarde






a visita  aconteceu ao fim da jornada. caiu-me no olhar entrando pela janela do horizonte. primeiro tingiu-se em tonalidades de agressividade simbólica. os cinzentos marearam-lhe o rosto em ondas de castelos que cavalgavam espaços como fumarolas encardidas de sonho. revolveu-se em abraços de luta e dança num classicismo de corpos embriagados que se amam. instalou-se à minha frente. a tormenta do amor esfomeado regou a terra numa obliquidade temporária. depois a verticalidade dos corpos dos pingos era rega de afortunada colheita. orgásmica e louca. sorri-lhe. seduziu-me. um pássaro rasgou a fúria com asas de atrevimento. o ar riu do momento e desfez-se em abertas de um branco lírico. acalmou a melodia pesada na manta dos telhados. o céu reuniu-se em manchas de azul e pragas de branco. o sol espreitou. e fez-se a cama fofa da noite. terminou num até já.