reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

sexta-feira, setembro 01, 2006



A comunicação do silêncio


«...O assobio dos melros tem uma coisa muito especial: é idêntico a um assobio humano, de alguém que não seja muito hábil a assobiar, mas a quem aconteça, de quando em quando, ter um bom motivo para assobiar, e que o faça uma única vez, sem intenção de continuar, e num tom decidido, mas modesto e afável, de modo a granjear-lhe a benevolência de quem o escuta.
Pouco depois, o assobio é repetido, pelo mesmo melro ou pelo seu cônjuge, mas sempre como se fosse a primeira vez que lhe passasse pela mente assobiar; se é um diálogo, então cada deixa chega após uma longa reflexão. Mas será um diálogo ou será que cada melro assobia para si próprio e não para o outro? E, em qualquer dos casos, trata-se de perguntas e respostas( ao outro ou a si próprio) ou trata-se de confirmar alguma coisa ( a sua presença, a pertença à espécie, ao sexo, ao território)? Talvez que o valor daquela única palavra resida no facto de não ser esquecida durante o intervalo de silêncio.
Ou, então, todo o diálogo consiste em dizer ao outro «eu estou aqui», e o comprimento da pausa junta à frase um significado de «ainda», como que a dizer: « eu ainda estou aqui, continuo a ser eu». E se estivesse na pausa e não no assobio o significado da mensagem? Se fosse no silêncio que os melros falam uns com os outros? (O assobio seria neste caso um mero sinal de pontuação, uma fórmula como «terminado». Um silêncio aparentemente igual a outro silêncio poderia exprimir cem intenções diferentes; também um assobio, por outro lado; falar-se, calando-se ou assobiando, é sempre possível; o problema é entender-se. Ou então ninguém pode entender ninguém; cada melro pensa ter posto no assobio um significado fundamental para si, mas que só ele próprio entende; o outro responde qualquer coisa que não tem nenhuma relação com aquilo que ele disse; é um diálogo entre surdos, uma conversa sem pés nem cabeça.
Mas os diálogos humanos serão porventura algo de diferente?»

In "Palomar" de Italo Calvino

1 comentário:

Anónimo disse...

Não teremos alguma coisasita em comum com os ditos bichinhos?
Achei o texto fantástico!
Obrigada por partilhá-lo ...