reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

domingo, setembro 17, 2006



Revolta em nome do Amor

Quando o amor vos chamar, segui-o,

Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados;

E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe,

Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos;

E quando ele vos falar, acreditai nele,

Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos

Como o vento devasta o jardim.

Pois, da mesma forma que o amor vos coroa,

Assim ele vos crucifica.

E da mesma forma que contribui para vosso crescimento,

Trabalha para vossa queda.

E da mesma forma que alcança vossa altura

E acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,

Assim também desce até vossas raízes

E as sacode no seu apego à terra.

Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.

Ele vos debulha para expor vossa nudez.

Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.

Ele vos mói até a extrema brancura.

Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.

Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma

No pão místico do banquete divino.

Todas essas coisas, o amor operará em vós

Para que conheçais os segredos de vossos corações

E, com esse conhecimento,

Vos convertais no pão místico do banquete divino.

Todavia, se no vosso temor,

Procurardes somente a paz do amor e o gozo do amor,

Então seria melhor para vós que cobrísseis vossa nudez

E abandonásseis a eira do amor,

Para entrar num mundo sem estações,

Onde rireis, mas não todos os vossos risos,

E chorareis, mas não todas as vossas lágrimas.

O amor nada dá senão de si próprio

E nada recebe senão de si próprio.

O amor não possui, nem se deixa possuir.

Porque o amor basta-se a si mesmo.

Quando um de vós ama, que não diga:

“Deus está no meu coração”,

Mas que diga antes:"Eu estou no coração de Deus”.

E não imagineis que possais dirigir o curso do amor,

Pois o amor, se vos achar dignos,

Determinará ele próprio o vosso curso.

O amor não tem outro desejo

Senão o de atingir a sua plenitude.

Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos,

Sejam estes os vossos desejos:

De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho

Que canta sua melodia para a noite;

De conhecerdes a dor de sentir ternura demasiada;

De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor

E de sangrardes de boa vontade e com alegria;

De acordardes na aurora com o coração alado

E agradecerdes por um novo dia de amor;

De descansardes ao meio-dia

E meditardes sobre o êxtase do amor;

De voltardes para casa à noite com gratidão;

E de adormecerdes com uma prece no coração para o bem-amado,

E nos lábios uma canção de bem-aventurança.

Kahlil Gibran

Surpreendentemente de origem árabe, Kahlil Gibran é uma descoberta refrescante e incisiva, sem burkas, nem fundamentalismos no sentir.
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3 comentários:

Anónimo disse...

Para quem não se lembra, os árabes também sabem o que é o amor tal como os ocidentais sabem o que é a guerra.

Anónimo disse...

Não me surpreende que seja Árabe, existem muitos grandes poetas desta origem. Muito da cultura arábica esta em nós. O poema é lindo,a ssim como é linda a cultura deles, árabes!
E sim, nós acidenttais sabemos e muito fazer a guerra e dizimar populações, a bem da verdade, eles gritam mais que matam. Nós, deste lado, pouco gritamos, mas quando nos afincamos a matar é aos borbotões: espanhóie portugueses durante a colonização das américas, brasileiros e argentinos na guerra que dizimou mais da metade da população masculina do Paraguai, 1ª e 2ª guerras mundiais com 80 milhões de mortos ao todo...
Bah, acho melhor ficar na beleza do poema, do amor, do amar, de tudo enfim! Belíssimo post! Só não se surpreenda por ter sido um árabe.

sinédoque disse...

Eu acredito e aceito a riqueza de todas as culturas. Aliás o assimilacionismo tantas vezes apregoado por políticos e sociólogos causa-me algum mal-estar. Aceito a multicularidade e agradeço os seus ensinamentos.Para mim a frase feita "todos diferentes , todos iguais" é redutora da aceitação da diferença. Somos realmente diferentes e a verdadeira capacidade de aceitar os outros é saber conviver com isso.Em relação ao mundo árabe existem, na verdade, alguns estigmas provenientes de quem do Alcorão faz uso abusivo e deturpado. Não é por acaso que Kahlil Gibran foi exilado e excomungado pela sua igreja.Tendo sido no final da vida readmitido na igreja e reconhecido o seu grande talento, não só de poeta, como de filósofo da compreensão e da paz.