reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

segunda-feira, janeiro 28, 2008




A fonte permanece lá atrás. A memória da criança livre, nas tardes serenas dos primeiros dias, de Inverno despidas, leva-me lá. O charco das águas límpidas e perfumadas pelas roseiras de Stª Teserinha, o aroma fresco dos musgos que bordejavam as margens, misturado com a lavada aragem de eucaliptos e de pinheiros sobranceiros, permanece intacto na brisa das tardes longínquas. Procuro a eira onde pousavam os malhos nas palhas secas esperando as mãos calosas do dono para castigar as leguminosas mães-grávidas de alimento das pessoas simples. Parto dorido de esforço, renascido em sopas suculentas para estômagos cansados dos amargos do dia.


Enxurradas rasgaram o pequeno planalto, sem eira nem beira, num reviralho de terras sem firmeza no andar. As copas esguias das árvores-perfume desapareceram no tempo dos saldos, pela natureza desumana das mãos sem olhos no sentir. Os silvos dos pássaros ecoam, no profundo vale de planície, sem a beleza da restolhada nos ramos esculpidos de abraços ao azul primaveril do céu.

Da fonte, nem um caco permanece para testemunhar passagem pela vida das mulheres e crianças que ali lavavam e brincavam a meias, num corar de água e sabão e roupa com corpos estendida nas ervas.

Só a poça lamacenta que escorre sangrenta de barro, ajunta e incorpora imagens de ontem. Ainda ontem foi dia de trazer da fonte a barriga saciada de água fresca, bebida na palma da mão, e rama de eucalipto de um verde fino e translúcido para pôr na jarra que me enfeitava a noite de cheiros. Fui ver. A fonte permanece lá atrás.



domingo, janeiro 27, 2008









saio do mar no momento exacto em que sinto a onda a formar avalanche de maremoto. o recuo das águas dão o sinal de alarme e contrario a corrente num esforço de andamento forçado pela escolha. encravam-se os pés na maré subitamente vaza e todos os cascalhos da terra-chão se revoltam no impedimento da jornada. bátegas de seixos sem dono se enredam em torno das pernas molusco. cabos de energia sugam-me as forças num retorno à origem placêntica das águas profundas, onde o sono é tranquilo. sem retorno. sem contemplações, prometo vestir o sal de oposto e anular em contra-corrente a catástrofe eminente na saída.



sábado, janeiro 26, 2008








despojo-me entre as horas do dia do silêncio da noite. o sol veio aquecer o corpo permeável à brisa fina e cortante que trespassa a pele e esquina os ossos de hérnias. viajo para longe por atalhos que perderam a memória viva. percorro sem gps os recantos escusos das rotundas. retorno ao ponto de partida para de novo encetar caminho. desbravo os sulcos onde a água teima em escorrer caudais de estrada antiga. leito sumido no mapa de escala reduzida pelo estar tão perto o que se ausenta. desmedida articulação de gestos calados por espelhos côncavos. circuncisão da boca no porto das assimetrias. proporções irregulares pernoitam no corpo da geometria e minam as formas em raios de som inventados no sonho que rasga a pleura do pensamento.





terça-feira, janeiro 22, 2008




perdi da boca a palavra certa que jorra num coração tresloucado. a corrente sanguínea leva-a a banhos na central cerebrosa e ela sai de lá inundada da razão caprichosa de ser pura, justa, como se a emoção a enxovalhasse de hífens segmentares da verdade. sei do todo que nos une num córtex amulatado de vertentes. reajo como se na postura, a ética fosse a disciplina nuclear só de uma das parceiras. da emotividade retiro o grau e acrescento a água da vida num pré-juízo das acumulações que evidenciam o concluído. benzo o olhar às coisas que se fizeram sujeito e dilato a mesura da racionalidade, numa objectividade serena de saber quanto custa ser ar e terra e sol e lua dentro de um nicho de carne.

domingo, janeiro 20, 2008




bordei com luz o horizonte. tirei da gaveta o azul alvo de mar. o cinzento da neblina do sítio ficou subitamente nos olhos da criança lá atrás. janeiro de sementes adormecidas ressurgiu nas altas vagas da memória. a pedra absorveu a boémia da tristeza e atirei-a para longe onde repousará no leito do tempo sem fundo. esperei o pôr-do-sol, mas era domingo, e o sol ao entardecer resolveu meter-se em casa pela porta dos fundos. pintou de rubro pálido um traço na trave da porta de entrada para assinalar o futuro feito hoje. os olhos de calda saíram dos favos e prenhes de mãos prenderam as vozes nos estendais de peito raso. malvasia escorreu no tampo da mesa. a seiva imaculada da tinta uva sorveu-se com a língua até à última gota do dia.




sábado, janeiro 12, 2008


O cacto vivia ali há muitos séculos. Tantos que perdeu as horas da estória entre iberos e ocidentais globalizados, numa multiculturalidade sem nexo. Era pequeno e de um verde fresco e translúcido como a transparência das almas perdidas e achadas entre portais de eternidade. De quando em vez, renasciam-lhe flores minúsculas e cintilantes como sonhos de sol. Não havia estações que as trouxessem ou murchassem. Eram espontâneas como a luz de cada dia. Esperadas. Quando as neblinas ausentassem dos céus baixos como tectos sem casa. Orlas de deserto serviam-lhe de sítio, ao sul do rio que divide ao meio a civilização. Passavam as gentes indiferentes ou não à sua presença e demoravam-se em acampamentos de vida que o incluíam nas auroras boreais dos dias e nos festins carnavalescos do negrume da sombra sem dono.

Uns tiravam-lhe as flores e enfeitavam corações de egos produtivos de searas, outros empurravam-lhe os picos inofensivos de dor alheia e cravavam-nos na carne sangrada de seiva gritada de rubro.

Certos dias, sentia o corpo diminuto alargar-se em enxurradas de dor e, nos músculos fibrosos, crescerem-lhe quistos de liberdade sem comas. Transpirava por cílios agrestes rasgados na pele o suor das veias e, na retina dos olhos, esculpiam-se rugas que se escoavam na pele como gotas de neve gelada coada pelo sol. Eram as raízes a perderem a humidade da certeza de estar, embora oásis longínquos desaguassem em estuários de alquevas na sua boca entupida de palavras sem língua, de língua sem saliva, de céu sem palato. Sabia-lhe a mel de cicuta a bebida sorvida em cálice silencioso forjado na areia do corpo onde permanecia. Os olhos fechados de testas franzidas por prensas, reflectiam a luz do trovão apagada em raio invertido num buraco negro.

Pegou nos sapatos das raízes e gastou as solas no couro das dunas escaldantes de desertos-jamais e em sarkosys sem medo cumpriu o Dakar.

sexta-feira, janeiro 04, 2008



Bernardo Santareno...nos túneis da Liberdade


VETO TEATRO OFICINA


Círculo Cultural Scalabitano/Teatro Taborda
Santarém

Janeiro: 11, 18, 25

às 21.30horas


Bernardo Santareno... nos túneis da Liberdade, é uma narrativa dramática que procura revelar a vida do escritor.O espectáculo é construído a partir de testemunhos, da correspondência pessoal e de textos dramáticos do autor.Espectáculo estreado em Novembro último, tem sido considerado uma das melhores produções do Veto.


Preço: 5€


Círculo Cultural Scalabitado



Rua Maestro Luís Silveira nº 4, 2000-117 Santarém, PORTUGAL - Telef.: (+) 351 243 321 150

quinta-feira, janeiro 03, 2008