reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

sábado, setembro 29, 2007

Cuidado com a moda Outono/Inverno

Por isto é que nunca ando com regador na mão!


Dentro do impossível, faço o possível por conseguir...às vezes não consigo!

quinta-feira, setembro 27, 2007



hoje li uma história esquecida na estante mais alta da mais velha biblioteca do mundo. Não importam as folhas arrancadas. as que permanecem intactas pediram-me que lhes sacudisse o pó. lhes lesse os sinais e lhes rasurasse as margens. em apontamentos soltos procurei significados em mim. reconstruo-a por dentro.

domingo, setembro 23, 2007


Vestiu-se de amor na despedida

Deitara-se tarde, preparando e ansiando o amanhã. Sabia de seu aquela tendência infantil de antecipar guloseima que lhe pintasse de azul o céu dos dias. Entrava na última semana de Agosto com a certeza que, daquele fim de Verão, lhe sobrariam dias de calma e isenção de cuidados. Novos horizontes lhe permitiriam restabelecer-se da afadigada vida que levava. Do cansaço tinha-lhe tomado o gosto por ser prazer o que lhe trazia existir, mas umas férias longe dos lugares costumeiros seriam uma ode ao prolongamento da mestria com que governava a vida.
Quando o telefone tocou para a despertar à hora marcada, já há muito se havia levantado. Na frescura da manhã, inesperadamente ventosa, sentiu pousarem-lhe as asas que a haviam de levar para destino paradisíaco onde o corpo se despediria do Verão. Partia só. Deixava para trás a certeza de um rompimento amoroso que prometia e descomprometia com uma imberbe e silenciosa indiferença. Não tinha paciência para arrastar situações de dependência mal resolvidas e tomara a dianteira no corte que a ligava àquele homem sem mote que a motivasse.
A viagem foi tranquila, com a descolagem deixava para trás o desencanto lavado com pingos de chuva que salpicavam caprichosos a aurora lisboeta. Linda a cidade!, melhor seria quando voltasse restabelecida e a apreciasse de outros ângulos, com olhos repousados na distância e emocionados no sabor do regresso.
Entre espreguiçadeiras e banhos quentes de areia e mar, sentiu a vida prenhe entrar-lhe nas veias com um vigor de quem sabe apreciar o que a natureza nos dá quando nos entregamos à lavagem centrífuga da alma. Olhava os outros com a sabedoria e a terna vertigem de saber amar.
Uma criança que vendia bugigangas na entrada da praia pediu-lhe sem falar que a acarinhasse. Baixou-se interessada no que ela fazia e pousou o olhar naquelas mãos pequenas que maquinalmente inventavam sobrevivência. Artesão da vida com saberes adicionados na necessidade. Sorriu. Lentamente ergueu o olhar e encontrou aqueles olhos enormes de um castanho amendoado pintalgados de solidão e carinho. Ficaram parados presos um ao outro num fio que se enrolava no peito. Era como se aquele olhar já fosse seu por ser conhecido. Abanou o pensamento e preparou-se para comprar uma daquelas peças tão belas quanto naifs. Mas a criança disse-lhe num tom de voz surpreendentemente calmo e maduro: Leva, foi feito para ti!Obrigado por observares o meu trabalho. Volta mais vezes, tens uns olhos tão doces e és tão bonita, que me atrais mais clientes.
Olhou em volta e percebeu que se encontrava rodeada de pessoas que como ela pegavam nas peças e se prendiam a elas como a amuletos. Ficou ali sem noção do tempo e, na entrega do presente, tocaram-se as mãos, ásperas e quentes as da infância roubada, macias e trémulas as dela. Mas a suavidade com que o menino lhe limpou o rosto despertou nela a certeza de que não seria a última vez que o veria.


( Projecto de conto escrito a posteriori para uma brincadeira séria do sem pénis nem inveja. A intenção de participar assistiu-me desde a primeira hora, mas motivos vários impediram-me de escrever dentro do prazo. Foi escrito ontem, porque a ideia bailava por aqui. Registe-se).



sábado, setembro 22, 2007



Aluno-Qual é o cúmulo da vaidade?
Professora- Não sei. Qual é, Jorge?
Aluno-Comer flores para enfeitar os vasos sanguíneos.

domingo, setembro 16, 2007



o verão passou lentamente entre as asas, instalando o outono nas penas varridas do silêncio calcado. soltam-se as mãos vazias no corpo rachado de deserto. uma gota. bastaria uma gota de luz para incendiar de azul o ar cinzento que cimenta o céu mirado.

quarta-feira, setembro 12, 2007


Há dias em que o Pai-Natal, no qual acredito com a cabeça do dedo mindinho do pé, me aparece travestido de intransigência. Mas, a rigidez da burrice, normalmente, zurra e dá coices no tempo da esperada flexibilidade.

Este pensamento é tão profundo que para o completar de forma original, embora com vómito mental, só me apetece dizer: depois não digam que eu não avisei!

sábado, setembro 08, 2007



Vi-a hoje. Trabalhei com aquela mulher alguns anos e dela trazia as lembranças inteiras de ter ensinado a minha filha a ler. Uma profissional dedicada, inovadora, atenta aos seus alunos, senhora de uma cultura que recolhia na vida como mata-borrão. Uma leitora devota que sabia desbravar vontades na cativante aventura de saber.
Com os anos afastou-se da componente lectiva, o barulho das crianças incomodava-a, tornou-se irritável e indiferente ao mundo, apática sem ermo num mundo de antidepressivos e psicossomatismos inerentes. Exageradamente gorda, arrastava no andar lento um pesar que se amortalhava nos olhos baços postos no chão, no desalinho da figura sobressaía um ventre imenso de solidão e um sorriso triste de quem tem fome no peito. Mostrava-me timidamente a poesia que escrevia desde há muito e eu via o inconformismo no grito das palavras que morriam no papel amarelecido pelos anos, a latência duma vida pela metade, a simetria dos dias sem brilho que lhe raptaram a essência. Aposentou-se e deixei de a ver.
Apareceu-me hoje do nada. Dos cabelos crespos surgiram-me uns longos e sedosos cabelos negros dos quais pendia uma fita colorida bem coquette, uma maquilhagem ligeira matizava um rosto sereno onde as sardas enfeitavam alegremente um sorriso rasgado, os olhos recuperaram a doçura e coadjuvavam os lábios nas palavras por dizer...sem necessidade de pressa. A postura de rosto erguido resplandecia juventude, as roupas seduziam os olhares, a graciosidade das formas num corpo sem memória em mim.
Divorciou-se. Emagreceu. Entrou para a Universidade da Terceira Idade. Organiza tertúlias de poesia. Apaixonou-se. É feliz.

sexta-feira, setembro 07, 2007


Venham sempre, quero que me encham a casa com a vossa alegria e os vossos sorrisos, tirem-me daqui os velhos do Restelo!

O teu último grito de vida, Clara! Desculpa amiga, por não termos tido a vontade suficiente para o fazer da forma que gostarias. Uma vida dedicada a causas, um exemplo de energia e tenacidade, sempre... até ao fim a acreditar que vale a pena viver.

Viste-nos, Clara? Estivemos lá todos, hoje, numa casa que não queríamos para ti, cheia de flores murchas que a saudade não rega, são de sal os pingos de choro. Rodeamos-te com a ternura e a tristeza da enorme perda sofrida. Vieram todos, de todo o lado, e misturámos as lágrimas com o sorriso das tuas lembranças, porque tu quererias que houvesse palmas e danças e festa no ar.

Uma salva de palmas para ti, minha querida! Descansa em paz!

terça-feira, setembro 04, 2007




Retomei, ao terceiro dia do nono mês do calendário Gregoriano, as pulsações da escola com as minhas ainda numa arritmia sinusal causada pelo estrangulamento das largas artérias por onde me movia em férias. C'est lá rentrée, mon Dieu!

No receio de que as pálpebras se mantivessem inertes à claridade do dia e que eu permanecesse restelada entre lençóis por mais do que devia, avisei de véspera amigo que já não visitava há um mês, sabendo que dos mansos e robóticos tique-taques que durante a noite me embalam, chegada a hora, entra naquela frenética e histérica alegria com ligação directa ao meu centro nevrálgico, sem dar hipóteses de acalmia enquanto não lhe der atenção. Amigo da onça! Mas para isso o quero e jeito me dá, que da manha do corpo sabe a mente, ou vice-versa ou simbiótico jogo de empurra se instala no complexo restolho de sono.
Sintonizado para as 8 horas da manhã, dar-me ia hora e meia de tranquilidade antes de entrar no bulício dos abraços inquiritivos de como foram as férias. Estando a 5 minutos da escola era prevista calma preparação, pequeno-almoço mastigado, não engolido na pressa, partilhado momento com o Baltasar num até já, que a dona volta cedo.
Mas teve de ser pessoalizado o despertar que o amigo da onça, não esteve pelo ajustado. Falta de treino ou senilidade precoce do bichinho, manteve-se na ronha sem cumprimento das funções acostumadas.
Pelas 9 horas tocou. Afinal enganei-me no acerto dos ponteiros, pensei entre risotas caseiras. Mas a certeza do momento nocturno deixava-me em dúvida. Fui ver. O ponteiro apontava certeiro as 8 da manhã. Como é possível, não sei, mas parece-me que amanhã terei de apontar para as sete ou voltarei a ser enganada por este inesperado inimigo da pontualidade.



segunda-feira, setembro 03, 2007



Estava eu atarefada, num daqueles momentos em que as nossas mãos se repartem pelo trabalho caseiro, com a mestria de pianista no teclado, desejosa de terminar as tarefas e poder usufruir dos últimos momentos de férias, de concluir leitura e dar uns retoques finais numa tela que tem andado a virar as costas para mim há tempo a mais, ou terá sido o contrário?, isso agora não interessa, quando toca o telefone.

-Estou, sim!
-É a senhora dona Maria...?
-Eu própria, faça o favor de dizer!
-Estamos a fazer um inquérito sobre hábitos televisivos. Podia dizer-me qual é o canal de televisão que mais se vê na sua casa?
-Aqui não vemos televisão, usamo-la só para decoração.
-Ah, é?!
-É.

Olha, desligou!

domingo, setembro 02, 2007



caio as paredes de branco para a alegria que está sentada num banco a rir-se do presente daquele dia. cobre-se de neve quente ao sol da manhã e a luz que enche aqueles olhos é a razão de viver. sabe que nas brechas se esconde a humidade das teias urdidas em fios escuros de pó e sombra. na limpeza sustêm-se os aromas do canto breve. liberdade tingida de pinceladas de grades. cantam os galos numa imitação tardia da vida prolongada para trás do ontem. esperanças pesadas na desordem do anoitecer. no momento a certeza que caiada a vida lhe apetece.