
Arranha-me os braços!
E o outro arranhou-a com as unhas cravadas na carne tenra, ciente da dor, incrédulo no pedido e na obediência.
De olhos vivos e doridos por experiências de violência doméstica entre progenitores, a menina excede-se em actos de revolta. Desafiadora e contestatária encapuçada, vítima sempre, mestre de encenação. Chantagia e defende-se com um saber adulto que lhe vem de uma infância moldada pelo engano e pelo desencanto dos que na hora da separação ou no seu encalço não souberam gerir as emoções e exerceram os instintos mais pimários em detrimento da razão e da elevação moral de quem tem filhos que aos dois pertencem. Bens insubstituíveis de valor supostamente intocável que na decadência de uma relação são de ruína frágil, é sabido.
Pasmo, no prazer da dor! Que culpas assumirá que a lavam a tal extremo? Que se passa por detrás daqueles olhos negros?
Fim-de-semana pela frente, mudança de residência e a destabilização sempre em crescente avolumar!
Foi depois de uma estada com o pai que me chegou lavada em lágrimas, recusando-se a entrar na sala de aula para que ninguém gozasse com ela...ninguém goza, mas ela sente-se alvo e no fundo quer a pena. Senti-o. Conversa de mulher para mulher. O tema, o sofrimento, o medo de contar e eu via-me nos seus olhos, era necessário que percebesse que os seus problemas serão sempre meus e que tudo farei para a ajudar. Macabros cenários me assombraram e temi a confissão.
Não foi o que suspeitava. O pai, após uma cena birrenta que terá tido, disse-lhe fora de si ("ele estava a falar a sério, professora!" ):
SE TU CONTINUARES A PORTAR-TE ASSIM, EU MATO-ME!
Hoje correu para ele com os braços marcados pela dor, necessitando de colo e de quem a proteja... para sempre...mesmo dela.