reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

sexta-feira, abril 27, 2007


Arranha-me os braços!

E o outro arranhou-a com as unhas cravadas na carne tenra, ciente da dor, incrédulo no pedido e na obediência.

De olhos vivos e doridos por experiências de violência doméstica entre progenitores, a menina excede-se em actos de revolta. Desafiadora e contestatária encapuçada, vítima sempre, mestre de encenação. Chantagia e defende-se com um saber adulto que lhe vem de uma infância moldada pelo engano e pelo desencanto dos que na hora da separação ou no seu encalço não souberam gerir as emoções e exerceram os instintos mais pimários em detrimento da razão e da elevação moral de quem tem filhos que aos dois pertencem. Bens insubstituíveis de valor supostamente intocável que na decadência de uma relação são de ruína frágil, é sabido.

Pasmo, no prazer da dor! Que culpas assumirá que a lavam a tal extremo? Que se passa por detrás daqueles olhos negros?
Fim-de-semana pela frente, mudança de residência e a destabilização sempre em crescente avolumar!

Foi depois de uma estada com o pai que me chegou lavada em lágrimas, recusando-se a entrar na sala de aula para que ninguém gozasse com ela...ninguém goza, mas ela sente-se alvo e no fundo quer a pena. Senti-o. Conversa de mulher para mulher. O tema, o sofrimento, o medo de contar e eu via-me nos seus olhos, era necessário que percebesse que os seus problemas serão sempre meus e que tudo farei para a ajudar. Macabros cenários me assombraram e temi a confissão.

Não foi o que suspeitava. O pai, após uma cena birrenta que terá tido, disse-lhe fora de si ("ele estava a falar a sério, professora!" ):


SE TU CONTINUARES A PORTAR-TE ASSIM, EU MATO-ME!


Hoje correu para ele com os braços marcados pela dor, necessitando de colo e de quem a proteja... para sempre...mesmo dela.

3 comentários:

Alda Serras disse...

É horrível. Adultos como este deviam ser impedidos de terem filhos. Como podem atirar a uma criança tamanha responsabilidade? Como a podem magoar, maltratar desta forma? E que podemos nós fazer para que a cabeça e o coração desta criança voltem a ser normalmente felizes?

Anónimo disse...

uma mensagem forte, sinedoque. um aviso de que a nossa mente produz defesas que se traduzem em ataques.

votos de bom feriado. um beijinho.

CPrice disse...

secar as lágrimas de quem é suposto velar pela nossa felicidade. Garanti-la. Sem preço a pagar .. sem conta corrente do que é suposto ficarmos a dever. Pelo menos .. enquanto somos crianças.
Excelente alerta sinedoque .. escrito por mão de mestra.
beijinho