reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

quinta-feira, julho 12, 2007


Longe vão os tempos da minha meninice mas a eles volto com a regularidade das memórias vivas, dos sítios que percorro, dos cheiros sentidos, dos sons que enchiam o meu quotidiano e que agora se tornam alerta e apontamentos de lembrança.
Uma vida guardando dentro e fora de nós tudo o que nos fez assim e não diferentes. Reminiscências de um passado-presente, pela importância , pelo mérito ou desmerecimento tal, que cravou à nossa passagem uma marca inalterável pelo tempo. Sinais distintos no correr dos dias e da vida.
Aqui sentada, ouço o vento que varre a planície, neste dia ainda quente. Insiste, hoje, em mostrar a sua força, ensaiando uivos para mostras vindouras. A folhagem das árvores, desnorteada, murmura segredos de dor e de esperança.
Vento que me traz um tímido e longínquo cantar de galo, como se de um garnisé se tratasse. Rapidamente recuo na máquina do tempo instalada no memorial afectivo.
A casa da madrinha. Visitada nas tardes de sábado ou de domingo. Outeiros menos urbanos, então. Espaços bucólicos, onde a liberdade de acção e de descoberta me era entregue de mão-beijada sem repreensões de maior. Menina na casa de filho-homem perdido. Alegria bem-vinda e acolhida entre beijos e aclamações de extremados afectos, para meu regalo e aprovação.
Entre tanques de rega e campos cultivados me perdia, brincando com tudo e com nada. Brinquedos inventados na urgência de quem se diverte com as coisas simples que a natureza oferece a quem tem tempo de a observar.
Pela tardinha, o galo cantava. Canto grave e roufenho como se o cansaço da lide e do tagarelar da capoeira lhe retirasse a limpidez da voz, ao fim do dia. E aquela coisa espantosa que me acontecia em simultâneo" Madrinha, cheira-me aqui a pão fresco!"Entre risos e abraços preparava-se o lanche com compotas, que tu tão bem sabias fazer.
Sentada entre estendais e os últimos raios de sol, saboreava a merenda e os dias de felicidade ingénua e plena que me enchiam de tranquilidade e de paz.
Madrinha, ouvi o galo cantar! Cheira-me aqui a pão fresco!

2 comentários:

Joaquim Moedas Duarte disse...

Sabe a põ fresco, o texto tão bonito que aqui deixou.
Obrigado.

CPrice disse...

e a mim cheira-me a saudade de tempos idos e à serenidade que consegue tão bem incutir em que a lê .. minha amiga, eu sei que me repito .. mas rendo-me a mais este pedaço de memória ..
Beijo