reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

domingo, outubro 01, 2006



Matança do porco

Só tenho um cão. Mas já tive muitos cães, gatos, porquinhos da índia, carneiros, ovelhas, cabras, cabritinhos lindos, burros, éguas, mulas, cavalos, galinhas, patos, vacas e... porcos( desculpem-me se esqueci alguns, mas a memória não perdoa). A muitos vi-os nascer, alimentei outros tantos com biberons e seringas, cantava-lhes músicas de embalar para os sossegar, embrulhava-os em cobertores quentinhos quando o rigor do tempo me tingia de dor só de pensar que os animais não podem vestir abafo, embora fosse uma tarefa árdua e de pouco proveito pela ingratidão demonstrada. Brincava com todos eles com uma alegria maior que eu. Cresci vendo crescer animais à minha volta. Adoro-os.

As matanças dos porcos eram uma festa um pouco enlutada para mim. Reunia-se a família toda à volta do porco e mais tarde da mesa. Os homens madrugavam para tratarem da saúde ao suíno e ele grunhindo parecia chamar por mim. Escondia-me. Não o queria olhar nos olhos. Sentia-me cobarde por não agir e me interpor entre ele e o facalhão afiado que o esperava. Os mulherões da família riam-se de mim e o tio João, sensível a estes sofreres, chamava-me para o seu colo e explicava-me a cadeia alimentar de uma forma simples e doce que me aliviava a alma cingida no corpo pequeno. Depois enchia a bexiga do bicho e vinha dar-ma para eu jogar à bola com a criançada. Receosa, primeiro, depressa me entregava ao prazer da brincadeira. Não gostava de ver o bicho desventrado e dependurado, ali o dia todo, mas fui enrijando as emoções embora, ainda hoje, tenha dificuldades em assistir a estes rituais da morte.

Não gosto de animais!- disse-me ela na matança do porco. Amareleceu-me o sorriso. Apeteceu-me tirar-lhe da frente o prato cheio à ganância de carne e enchidos e mandá-la comer couves. Não gosta não come!

Sem comentários: