reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

quarta-feira, agosto 23, 2006



Em terras de Baco


Ainda as vindimas não estão no seu auge nem as uvas em estado de maturação que as justifiquem e já a minha casa, ao fim do dia, tem um cheiro intenso a mosto.

As vindimas começam cedo, por aqui, e a minha descendência passa os dias entre vinhas, adegas, fermentações, laboratórios para analisar o grau do caldo açucarado, que neste início de temporada anda fraco, segundo consta.

Chegam-me em estado de incomensurável sujidade e é tarefa árdua conseguir retirar os restos do suco frutado que se entranha nos tecidos, encorpado por poeiras, engaços, borras e restos de película seca de uva. Detergente e altas temperaturas não removem correctamente os vestígios do trabalho das calças de ganga.

As calças-coitadas- insistem em rasgar-se, expondo despodoradamente partes íntimas das criaturas e fornecendo idéias a abelhas e vespões para ali se ferroarem e fazerem dano.

Gangas modernas, compradas já puídas de fibra e parcas em vida, a preços proibitivos! Mas o ritmo de trabalho, os corpos suados e os movimentos desabridos que a tarefa exige, faz com que não haja remendo que muito dure. Habilidosa de mãos, lá vou costurando remendo sobre remendo, desfazendo exéquias a trapos que não tinham futuro.

Mas a tradição já não é o que era! Agora a maquinaria vai substituindo a mão-de-obra humana. E consoante a necessidade do proprietário e a qualidade prevista para o vinho, ora se vindima de dia ou de noite. Explicações de temperaturas ideais da chegada das uvas à adega para fermentação mais rápida ou mais lenta são assunto comum aqui em casa.

Já lá vai o tempo em que, a esta terra, chegavam grandes ranchos de gaibéus e gaibéuas, vindos principalmente da zona norte do país, para estes trabalhos outonais.

Mas isso, já foi chão que deu uvas! Haja saúde e dinheiro para o vinho!

4 comentários:

Anónimo disse...

Linda prosa que me fez recuar aos meus tempos de 'rapaz'. Aqueles enormes e coloridos , especialmente das moçoilas de bochechas reluzentes (talvez resultantes das sopas de vinho 'emborcadas'na meninice),ranchos de gaibéus. Aquele malandro juvenil 'espreitar' pelas frinchas das madeiras com que se construiam as barracas onde por vezes esses ranchos pernoitavam, e que dizer daqueles memoráveis bailes de 'gaibéuas', onde através da compra da 'menina' se dançava com aquela que mais se 'encostava', conseguindo por vezes até levar mais longe do que a fantasia por vezes podia imaginar.Enfim, bons tempos.........

sinédoque disse...

As minhas experiências no feminino não são como, deve calcular, tão vastas como as suas.Reconheço que era um um colorido atractivamente borbulhante para os rapazes. Recordo-os , nas suas bicicletas e motoretas fazendo cavalinhos e outras habilidades frente aos barracões onde essa boa gente se alojava.Jogos de sedução, cheios de adrenalina e testosterona, que conduziam às noites animadas de bailaricos de corpos ao som da música e música e, pelo visto,não só.

sinédoque disse...

Com tanta animação meti música a mais.rsrs

regato disse...

Digo eu: "Habilidosa" de mãos-pensamentos, vá continuando a tecer e a costurar texto-poema sobre texto-poema, construindo um livro de memórias-vida que encherá, certamente, a nossa alegria de futuro!

O suave aroma do mosto que vamos começando a sentir nas nossas ruas, antecipando o gosto alegre do vinho novo espumando nos copos, é certamente um bom aperitivo!