reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

segunda-feira, janeiro 28, 2008




A fonte permanece lá atrás. A memória da criança livre, nas tardes serenas dos primeiros dias, de Inverno despidas, leva-me lá. O charco das águas límpidas e perfumadas pelas roseiras de Stª Teserinha, o aroma fresco dos musgos que bordejavam as margens, misturado com a lavada aragem de eucaliptos e de pinheiros sobranceiros, permanece intacto na brisa das tardes longínquas. Procuro a eira onde pousavam os malhos nas palhas secas esperando as mãos calosas do dono para castigar as leguminosas mães-grávidas de alimento das pessoas simples. Parto dorido de esforço, renascido em sopas suculentas para estômagos cansados dos amargos do dia.


Enxurradas rasgaram o pequeno planalto, sem eira nem beira, num reviralho de terras sem firmeza no andar. As copas esguias das árvores-perfume desapareceram no tempo dos saldos, pela natureza desumana das mãos sem olhos no sentir. Os silvos dos pássaros ecoam, no profundo vale de planície, sem a beleza da restolhada nos ramos esculpidos de abraços ao azul primaveril do céu.

Da fonte, nem um caco permanece para testemunhar passagem pela vida das mulheres e crianças que ali lavavam e brincavam a meias, num corar de água e sabão e roupa com corpos estendida nas ervas.

Só a poça lamacenta que escorre sangrenta de barro, ajunta e incorpora imagens de ontem. Ainda ontem foi dia de trazer da fonte a barriga saciada de água fresca, bebida na palma da mão, e rama de eucalipto de um verde fino e translúcido para pôr na jarra que me enfeitava a noite de cheiros. Fui ver. A fonte permanece lá atrás.



1 comentário:

Nilson Barcelli disse...

Por vezes, sabe bem recordar sítios com os quais convivemos intimamente.
A tua descrição é uma espécie de clip de imagens, que vamos visionando à medida que vais desenvolvendo a excelente e aromática narrativa.
Gostei muito deste teu belo naco de prosa, tal como do anterior, que não comentei.

Beijinhos.