reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

terça-feira, agosto 28, 2007




As avós não tocavam piano nem falavam francês, uma delas tinha um português vernáculo que usava na ponta da língua disparando a torto e direito, sem entender franzidos de testa que diagnosticavam sumiço pela terra adentro se não moderasse intempestividades linguísticas. Tinha uma taberna que nunca cheguei a conhecer que de tão graciosa entrada, numa semi-cave, ganhou fama por "Boca do Inferno", ao avô foi-lhe atribuída alcunha de "O Diabo". Pobre senhor Diabo que nunca se lhe conheceu sádicos prazeres no mundo do mal, antes triste sina da sua própria alma. Padecia de asma terrível que nos calores do subterrâneo atascado não encontrava brandura, nem os hálitos destilados, nem fermentações avinhadas desentupiam vias arfantes de farfalheira arquejante.
Num Inverno rigoroso, a tosse na Boca do Inferno tornou-se insuportável e a falta de ar levou-o até ao médico. Homem possante, de voz cavernosa e modos grotescos, de um humor subtil a pedir arcaboiço mental, caso contrário quem lá entrava com suspeita de doença saía de lá de maca.
- Pois é, Diabo, estás por um fio. Daqui a dois ou três meses vais saber como é bom estar no inferno!
O avô matutou naquilo durante algum tempo e nem as melhoras sentidas, lhe retiraram a ideia de que eram as da morte. Nunca o conheci, suicidou-se nas traseiras da Boca do Inferno.

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