reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

domingo, novembro 20, 2011

o dia estrelou-se de sol. claras em castelo vagueiam em suspiros alongados de medula. no vagão onde entrei cirandam folhas no ar num suicídio lento e pacífico coladas à ondulação da brisa. os ramos dos corpos altos debruçam-se a olhar o chão. paisagem nostálgica  de colorido quente e vertiginosamente sábia de vida. repousam os filhos no colo do tempo. hão de adormecer e ser terra  para renascer outra vez entre estremunhado alvoroço de fecundidade. por ora prepara-se o útero. constelações eternas bordejam a teia da mãe. ela serena sabe das coisas que pesam. sem pranto eleva-se à alcova da mortalha. finge dormir e fermenta o sonho na esperança vindoura. colo ao vidro o hálito quente e enevoa-se-me o olhar. só o sentir mantém o apelo à aprendizagem.

terça-feira, agosto 02, 2011

intensidade

da intensidade conheço-lhe o sabor. das mãos que se unem . das bocas em fogo. do calor dos dias. da invernia nos ossos. dos desejos e ensejos. dos vendavais no templo. a mensurabilidade do nomeado é vínculo do querer. da vontade indómita. da impressão expressa. da destreza da acção. do sabor retirado e da memória que resiste. para além do tempo e do espaço. fica a recordação imutável de momentos. bons e maus. a qualquer género se aplica. há-de perdurar aquilo que na intensidade superou o expectável. e volta em lembrança sem denotado querer. ao abrir dos olhos ainda a luz nas pálpebras cerradas  ganha forma de pequeno sol. ao adormecer. ao dobrar a esquina. por serem os sentidos a matriz das estórias dignas da vida. salta na mente e o corpo sente num tombo faiscado de ternura ou temor. é na intensidade que se alonga o feito ou desfeito. é aí o que o amargo ou o mel se fixam  no ser. uma noite sem glória. um dia sem gente. de repente à tona vem à memória aquela estória que carimbou a mente.

segunda-feira, agosto 01, 2011

trazem o pecado atado à coleira

entre o sopé e o cume da montanha anda em transumância o rebanho dos mitos. é vê-los pastar e engordar a regência dos deuses. trazem o pecado atado à coleira do pastor. na lã fofa criam-se cardos de palha seca. sem qualquer serventia. tivesse vagar o pastor e retiraria um a um os miolos encarrapiçados da pele. mas não. o cajado é instrumento de difícil manejo. e retirá-lo dos costados para fazer o que ainda não foi feito é vantagem desbaratada pelo descrédito. no olimpo as ordens foram claras. olhar o rebanho com rigor no dito e no desdito bordão ao pêlo. que a fé é coisa feita a preceito do nascer do grito até a  gadanha ganhar firmeza no restolho e ceifar as varas informes lá pela tardinha. assim se avantaja o alimento dos deuses. aos súbditos criam-se frutos proibidos. para babarem ao vê-los. tocar é pecado mortal. comer nem se fala. deixem aos olhos o caldo salgado da prova restrita. mastigue-se o enfado sem sabor e uma ou outra  graça que aos trambolhões caia do céu. agradeça-se sempre. deite-se-lhe a mão quando aprouver aos altíssimos e a paz na terra o ditar.

quinta-feira, abril 21, 2011






o dia acordou chuvoso e o vento batia na terra com a fúria de agressor sem piedade. arrastava os restos de inverno para a arrecadação do tempo sem escolha. a secura gretada das árvores era amolecida pelas chuvadas grossas. pingavam do céu as paredes dos corpos hirtos ao vento. as árvores anunciavam o sono de braços erguidos em lamentos que quebravam os ossos do silêncio. o sossego da casa encontrava-me em letargia. profunda. no cimo da porta um sino anunciou quebranto do medo. em espelho de luzes e sítios e asas de sonho. espantado e desperto virou das avessas as portas do dia anunciando o sol. milhas de caminho ecoaram no corpo luz da aventura. a descoberta como a única certeza. a certeza da alegria entre a partida e a chegada. hiato com formas de geometria perfeita envolviam a mescla de pudor e rasgo. rasgou-se o dia em serpentinas de montes perdidos dos olhos sedentos de rumo. encontro com deuses em sossego feito nós de abraços e laços de ternura. desmedida. como queda de água que se prende no peito e solta a torrente em vasos de mãos e bocas de ramos pendidos, quebrados pela força dos anos sem idade. gravidade serena em pêndulos de braços seguros. o barulho das águas soltava o tumulto doce em sangue de terra e fogo e ar e água.






segunda-feira, janeiro 17, 2011



.entre os dias o sol gira com a unicidade dum jeito feito calvário de servidão.

Una Furtiva lagrima - Rolando Villazon

domingo, janeiro 02, 2011

Lovis Corinth- Sun Morning


A luz que se espelha nos olhos nem sempre se sabe de onde vem. Mas sabe tão bem!

sexta-feira, dezembro 31, 2010

segunda-feira, outubro 25, 2010



às vezes tenho a firmeza de ser tarde. do muito se estar a reduzir ao nada. da panela no fogão ter da água o vinco da evaporação. de ser ter esfumado o caldo que adoça o erguer. como um cão cansado deitando a língua pendente fora da serra dos dentes. tantas vezes se caiaram os dias que a cal já não agarra às paredes. é necessário raspar a caliça e restaurar o sustento das muralhas. frágeis. com buracos nas sandálias e brechas nas vestes das veias. a carne viva da vida exposta em salmoura pendurada no tempo. oscilando num vai-vem de fustigantes aragens. frias.quentes. semi-frias. mas é na sentida vertigem dos sentidos que se arejam os sinais vitais da melodia das cores e dos sons. da luz e do escuro. do feito. comprido. sempre encolhido pela vontade de ser maior. olho o  pano tecido em quilómetros palmilhados e... às vezes vejo o pomar cheio de frutos por colher e tenho a certeza que ainda é cedo para ser tarde.

sábado, outubro 16, 2010


os mesmos dias que vestiram a saudade vieram visitar-me sem autorização. pernoitaram na minha eira e sedentarizaram a vida. ei-los a eito como planície fecunda de suspiros e sorrisos lânguidos. os olhos dos dias são a alma do horizonte quieto e adormecido como pasto certo sem campo de fuga. a boca dos dias é o fogo posto no ventre ardente como deserto imenso sem a frescura dos oásis. o cheiro dos dias é a fragrância do silêncio distante que cobre a terra como renda fina. o sabor dos dias é a boca seca duma gruta austera onde o vento há muito selou a nutrição. o ouvido dos dias está na porta da tua boca à espera da nota certa que será começo de melodia.