reflexos de vida no silêncio espelhado da água. fragas de vidro em descontinuidades do olhar ...

domingo, abril 27, 2008




minha casa é palafita a dois passos da enchente. deitada na minha cama sinto da água a maré. hoje encheu-se de estrelas que das frestas da madeira fizeram pouso premente. é tão linda a minha casa. já disse que é palafita. passa a água. passa a vida. e ela segura e erguida. em estacas de madeira refresca o chão dos meus pés . nunca tenho os pés no chão. nem no ar está bom de ver. na minha casa há um barco que regressa ao fim do dia e me repousa da faina quando a noite é maresia. a minha casa é na água. no rio onde me banho. só o vento sabe dela e dos segredos que tenho. dentro da minha casa conto as estrelas no rio. são dançarinas flutuantes que me beijam noite fora. velando-me se alguma nuvem se adensa ou se demora. a minha casa é palafita. é de tábuas e tem janela. quando a tarde cai a pique fico ali. olhando as águas. da janela da minha casa limpa-se a vista de mágoas.

sexta-feira, abril 25, 2008


...e a flor da liberdade sorriu no coração de um país...

terça-feira, abril 15, 2008



Rester au lit





dói-me a clara do olho. sinto os arrepios da febre e o tombo do sono. sabes, nunca devia ter fritado os miolos sem uma frigideira anti-esturro.


sábado, abril 12, 2008




a inutilidade do verbo descreve a curva apertada em risco azul que desce do peito e desagua nos pés. derrama-se. nunca o sangue deixou de ferver na palma da mão estendida. sorvido como água inquinada que se cospe na sarjeta do véu prateado que emoldura o bravo. os actos fazem-se noite como quem submerge na cegueira profunda do oceano. flutua a palavra na luz da verdade sem chão. semente apodrecida na terra sangrenta. jaz uma falha negra impermeável à vida. escorrem-se os dias e perdem-se as fontes. cai a tarde prestes a pique nas costas das árvores. erosiva-se o corpo do mundo. comportas de cal viva queimam as paredes da carne. nem no presente se presta o melífluo agora a salvar o futuro. reclama a serenata e visita o céu. veste o fato da graça e refaz-te em dedos e mãos e braços de mar. flutua interiores. descobre nascentes.


segunda-feira, abril 07, 2008




Hoje, sinto-me tranquila. Não aquela tranquilidade de quando era menina. Quando sabia que se roubasse uma rosa para oferecer à minha mãe e a dona do jardim estivesse entre portas a ver-me praticar o delito, eu correria para os braços da avó a pedir socorro e ela resolveria tudo com um sorriso e uma conversa de amigas com a vítima do furto. Não, essa tranquilidade já não a tenho. Perdi-a quando deixei de ter avó, de ter colo onde coubesse, de ter pregas no pescoço de alguém para beliscar até me ficar nuvem a pairar no sono.

“É tão bom ser pequenino, ter pai, ter mãe, ter avós, ter esp'rança no destino e ter quem goste de nós”. (Esta era uma das canções com que a minha avó me embalava)

Passei a ser eu o colo de mim e dos meus. Mas hoje roubei uma rosa. Entreguei-a a quem a merecia e não aconteceu nada, porque a roseira era brava e o dono era o chão que a viu nascer. Atei-a ao coração onde as palavras se prendiam por dentro e me enfiavam um funil na garganta. Afunilando para dentro as emoções em pacotinhos de açúcar e alargando do interior a necessidade de dar.
Não tinha mais nada à mão. Às vezes, nem uma palavra salta da boca no embaraço do momento, só o gesto fala por mim e os olhos lampejantes de palavras (sonsas!) que não encontram a coerência que pretendo.

Toma! Gosto de ti!

Nem isto sai. Mas a rosa, cheia de espinhos rasgou-me a carne dos dedos e marcou a sangue o gesto sem anemia na alma.

Hoje, roubei uma rosa, mas sinto-me tranquila.

terça-feira, abril 01, 2008



a transparência do verde floresce nas tonalidades do estuário onde desaguo. os barcos arribam a proa no sentido da maré e o olhar ondula na margem lavando o lodo onde os peixes vêm comer na minha mão. pássaros camuflados de rochas cinzentas esgarçam riscas brancas em voos de pranto sossego. semeiam-se moedas nas águas da sorte. dias por escalar. escalados com espinhas e sal nas fibras duras que rejeitam o agora. fundem-se as mãos da terra na sede e cedem os dedos a pernoitar gaivotas nos lábios de seda. a boca do mar lava o riso do rio e trocam mensagens de amor e lava na incandescência rubra dum pôr-do-sol sereno anunciando luar. infindável a renovação. o regurgitar do sol no frio de cama escura.